13.7.10

 

Novas Comparações Odiosas

Estive este último fim-de-semana mergulhado na leitura de um livro interessante, que, por comparação, mais me firmou na convicção da falta de categoria da actual classe política.

Tratou-se de ler a biografia em forma de entrevista de Rui Patrício, último Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, antes do golpe revolucionário de 25 de Abril de 1974, que pôs cobro ao regime que vigorou no País, desde 28 de Maio de 1926 até àquela data.

O regime que se iniciara por Revolução Militar terminaria da mesma maneira, quase meio século depois.

O livro em causa, com o sub-título «A Vida Conta-se Inteira» da Temas e Debates-Círculo de Leitores, foi elaborado pela jornalista Leonor Xavier, que, ao longo de meses, entrevistou Rui Patrício, em sessões repartidas entre o Rio de Janeiro, no Brasil e Portugal.

A figura de Rui Patrício havia sido alvo de forte chacota nos dias primeiros da Revolução, em que se fazia constar o seu comportamento indigno, amedrontado, dizia-se mesmo que se havia borrado, quando submetido às pressões e ameaças dos militares revolucionários.

Sabe-se como os vencidos são facilmente vilipendiados, sobretudo por aqueles que só assumem atitudes heróicas a coberto do anonimato e com as costas quentes das multidões embravecidas.

Depois da leitura, no entanto, o que sobressai é antes o perfil de um homem digno, inteligente, culto e lutador, que soube vencer as adversidades da vida, a ponto de se apresentar hoje como Administrador e Consultor de Empresas, incluindo de algumas das maiores Empresas portuguesas, nomeadamente nos negócios que estas têm criado em terras brasileiras.

Hoje, com 78 anos, Rui Patrício está de bem com a vida, nota-se, já algo tocado pelo espírito descontraído e folgazão dos brasileiros, orgulhoso do seu triunfo profissional e social, assente na aquisição da dupla nacionalidade, desde 1986, com 6 filhos adultos realizados, com larga diferença etária, provocada pelas vicissitudes da vida, plenamente assumidas e resolvidas com o sopro da fortuna.

Em toda a entrevista, defende sempre com firmeza a política dos Governos em que tomou parte, desde 1965, ainda como Subsecretário de Estado do Ultramar, com Salazar, até aos derradeiros elencos de Marcello Caetano, terminados em 25 de Abril de 1974.

Apenas lhe assinalei uma pequena contradição nas suas declarações em confronto com as de Marcello Caetano, exaradas no seu veemente Depoimento, escrito a quente no Brasil, logo nos primeiros meses do seu forçado exílio.

Caetano, parece-me, terá insinuado a Spínola que preferiria uma derrota militar na Guiné a um acordo de paz, negociado formalmente com o PAIGC, com vista à independência dos territórios da Guiné, quebrando aqui a coerência inicialmente adoptada e repetidamente afirmada relativamente aos restantes territórios africanos, nomeadamente com os de Angola e de Moçambique, de resto, os únicos que, pela sua riqueza, justificariam o esforço militar de Portugal, se assim ele tivesse sido entendido no conflito que Portugal sustentou por treze penosos anos.

As tentativas de negociações, por interpostas pessoas, com os dirigentes do PAIGC, nos primeiros meses do ano de 1974, acabaram por ensombrar essa pretensa coerência política ultramarina conduzida por Portugal desde sempre, primeiro por Salazar e Franco Nogueira e depois continuada pelo governo de Marcello Caetano.

No resto, a fluência e consistência das posições é de regra, constante.

Ressalta como evidência que Rui Patrício, primeiro classificado do seu curso de Direito (1951-1956), na Universidade de Lisboa, tirou bom proveito da sua excelente preparação escolar, já assinalada na fase do Ensino Secundário, no Colégio Moderno, propriedade do pai de Mário Soares, em que fora também o melhor aluno, situação igualmente confirmada na Universidade, onde, depois de formado, seria também Assistente, por convite.

Talvez que por esta excelente reputação escolar tivesse tão cedo sido escolhido para integrar o elenco governativo de um Governo de António de Oliveira Salazar, em 1965, ainda com 33 anos incompletos.

À medida que vamos conhecendo melhor a vida e as personalidades do Antigo Regime, mais nos espantamos com a falta de preparação técnica, cultural e ética do pessoal político da democrática era abrilina.

Patrício e outros apeados do Poder em 1974 puderam refazer as suas vidas profissionais ou académicas, essencialmente porque tinham valor profissional, fundado na boa formação escolar recebida, nos diversos graus de ensino que haviam frequentado.

Contavam por isso com um precioso capital próprio que lhes haveria de valer ao longo da vida, mais do que quaisquer outros activos : dinheiro ou conhecimentos pessoais.

Estes, que hoje nos governam, se acaso perderem as teias de interesses que os mantêm ligados entre si, rapidamente desaparecem na maior obscuridade, por nada de substantivo os aconselhar a alguém ou a alguma instituição.

Parece hoje incontestável que, em Portugal, o pessoal político se tem degradado continuamente, como consequência natural da desarticulação geral do nosso Sistema de Ensino, esvaziado de conteúdo formativo, nas matérias de estudo, como aleijado, na construção do carácter cívico dos Estudantes.

Estes são, no presente, moldados na indisciplina, na promiscuidade e na consequente irresponsabilidade geral, condições que farão deles e delas fracos cidadãos, incapazes ou dificilmente capazes de corresponder à herança dos seus antepassados e às tarefas que terão pela frente.

Podemos certamente assumir que a degradação é manifesta e comprometedora do nosso futuro como Nação, a médio, se não mesmo já a curto prazo.

Ensaiamos, sem o conseguir, imaginar uma figura como José Sócrates membro de um Governo de António Salazar ou de Marcelo Caetano.

Muito menos nos seria possível imaginá-lo como Chefe de qualquer Executivo desse tempo, factos que por si sós nos atestam a decadência entretanto ocorrida nas elites políticas do País.

Nenhuma demagogia logrará, no presente, iludir esta convicção : o pessoal político da Democracia é claramente inferior, sobretudo no plano técnico e no plano ético, ao da Ditadura, como em relação ao que substituiu este último, nos anos imediatamente após o regresso ao Sistema Democrático.

Depois de desarticulado o Sistema de Ensino, com reformas mal pensadas e pior executadas, com mentiras estatísticas instituídas como verdades irrefutáveis, estaremos cada vez mais incapacitados para operar a urgente regeneração do País.

Quanto mais cedo estas verdades entrarem nas nossas cabeças, mais perto estaremos do início da Regeneração.

A opção parece clara, mas a acção tarda em aparecer.

AV_Lisboa, 12 de Julho de 2010


Comments:
Caro Viriato

Julgo que tanto a ditadura como a democracia podem gerar governantes com qualidade e governantes sem qualidade. Depende do ditador e do líder do partido que ganha as eleições. Quero dizer, depende do conjunto de princípios e valores que esses líderes respeitam, porque incutidos na sua própria educação e formação.

Claro que um ditador falha sempre no respeito por alguns dos valores a que damos mais importância, de que é exemplo maior o da liberdade, mas há uma diferença abissal entre um ditador como Salazar, que era um homem instruído e, por exemplo, um parvalhão como Chavez, ou um assassino como Mugabe.

A democracia, não obstante as óbvias vantagens sobre a ditadura, não é um regime que garanta a qualidade dos governantes, porque é fácil a um vivaço com poucos ou nenhuns valores e de escassa educação e formação insinuar-se junto do eleitorado e chegar ao governo. O exemplo típico é Sócrates, um dos maiores aldrabões que emergiu na cena política nacional, mas que nem por isso deixou de vencer duas eleições legislativas.

O nosso drama reside na existência de partidos que mais se assemelham a seitas, de que é exemplo o PS, e na existência de organizações semi-clandestinas, como a Opus Dei e a Maçonaria, que não vão a votos mas que mandam no país tanto ou mais do que aqueles que vão.

Portugal é um país pequeno, com uma existência longa, que permitiu a consolidação das ligações entre as famílias que detêm os principais activos e as empresas mais importantes do país, através das quais exploram a população de forma desenfreada, praticando baixos salários e preços incomportáveis para a generalidade das pessoas.

Essas mesmas famílias, ou são detentoras dos meios de comunicação social, ou têm sobre esses meios uma influência tal que nunca são verdadeiramente beliscadas. Repare-se, por exemplo, que nos recentes debates acerca das SCUT fala-se de tudo menos daquilo que tem verdadeira importância, que é o nível de preços das portagens, manifestamente elevado para os portugueses, quer nas SCUT quer nas restantes auto-estradas do país.

Mas enfim, isto levava-me longe e fico por aqui.
 
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